terça-feira, 22 de setembro de 2009

STC-NG7/DR2



O que é a ciência? A ciência caracteriza-se como explicação racional de fenómenos, com vista à resolução dos problemas que nos afligem. No entanto, o seu papel, e a sua tomada de posição perante os diversos assuntos que agitam a sociedade, têm variado de época para época. Actualmente, estes parâmetros da ciência ainda não estão completamente definidos. Este facto deve-se à crise que abalou a comunidade científica há cerca de meio século, criando a difícil transição daquela que era a Ciência Moderna para a actual e ainda pouco definida Nova Ciência.
Da Antiguidade até ao séc. XVII (aproximadamente), a ciência e a filosofia formavam um todo (a ciência tinha, até, o nome de filosofia natural), muito controlado pela religião. O cristianismo limitava as investigações e, consequentemente, todo o progresso da ciência. Contudo, o aparecimento da astronomia e física modernas fazem diminuir progressivamente o controlo da religião sobre a ciência, permitindo que esta se torne numa entidade autónoma e independente. É assim que a Ciência Moderna nasce no séc. XVI, quando as sociedades ocidentais e a Igreja se viram confrontadas com a importância das descobertas que se faziam. O renascimento cria uma profunda revolução científica que transtorna os conceitos e as ideias fundamentais da Natureza, do Homem, e do Universo.
Estas descobertas devem-se, entre outros, a Copérnico, Galileu, Newton e Descartes. Todos estes cientistas foram, no fundo, os fundadores da Ciência Moderna.
Esta ciência assenta em dois grandes pressupostos, que a caracterizam. O primeiro é a rejeição absoluta dos dados dos sentidos (experiência imediata) e do senso comum (preconceitos). Ao duvidar desses dados, a Ciência Moderna afirmava que estes eram úteis apenas para o conhecimento vulgar, mas que viriam iludir e induzir em erro o conhecimento científico. A experiência seria importante apenas como ponto de partida para uma investigação, ou como confirmação das teorias criadas. O segundo pressuposto baseia-se na Matemática. A Ciência Moderna só considerava verdadeiro o que era quantificável: «o rigor científico, só poderia assentar nos aspectos quantificáveis dos objectos e, por consequência, no rigor das medições» 1. Assim, tudo o que não podia ser traduzido em números, utilizando a Matemática, era cientificamente irrelevante. Hoje, considera-se que este rigor matemático desqualificou os objectos, pois tirou-lhes as relações (parte muito importante do seu conceito) com o seu meio envolvente.
A Ciência Moderna também tinha um método próprio, que consistia em dividir a realidade em porções, de modo a poder simplificá-las, entendê-las, analisá-las e classificá-las uma a uma. De seguida, voltava a juntar todas estas porções, e acreditava ter diante de si um estudo fiável que abrangia toda a realidade. Para criar uma verdade absoluta, a Ciência Moderna isolava-se da realidade, num laboratório, no qual entendia obter resultados racionais e absolutos.
O modelo desta ciência designa-se por modelo mecanicista, que encara o Universo como uma máquina (um mecanismo de relógio, por exemplo), cujos resultados são previsíveis através de leis físicas e matemáticas. O modelo mecanicista baseia-se em três preconceitos, ou três premissas: a homogeneidade da matéria, a regularidade cíclica dos acontecimentos, e a causalidade ou racionalidade do Universo. No geral, estas premissas deixam claro que existe ordem e estabilidade no mundo (as leis que se verificam aqui, também se verificam em qualquer outro ponto do Universo), que os acontecimentos do passado repetem-se no futuro, sendo assim possível a sua previsão, e que o mundo é racional, comandado por uma força inteligente. A Ciência Moderna defende a imutabilidade da espécie humana.
Pode dizer-se que outra característica da Ciência Moderna, resultante das grandes descobertas que se fizeram sob a sua influência, é o facto de ter proporcionado uma nova visão do mundo. Esta visão queria-se racional, sem ilusões, e distinta da visão medieval do mundo que veio substituir: o nosso planeta já não era o centro do Universo (graças a Copérnico), a vida não surge de geração espontânea, não somos a obra de um ser divino, mas descendemos do macaco (graças a Darwin), os impulsos inconscientes da nossa mente (graças a Freud) e muitas outras descobertas que, de certo modo, vieram “desencantar” (ou confundir) a sociedade.
Foi então que todo este conceito de Ciência Moderna, ao ser posto à prova, falhou. O primeiro a contribuir para esta crise foi Albert Einstein que, ao criar a noção de que não existe simultaneidade universal (não pode ser verificada a simultaneidade de acontecimentos distantes), descredibilizou a existência de espaço e tempo absolutos, defendidos por Newton. Este conceito mostrou também que as leis da Física e da Geometria são baseadas em medições locais, não podendo ser universalizadas. A premissa do modelo mecanicista que afirmava a homogeneidade da matéria estava assim posta em causa.
Ao provarem-se relativas, as leis de Newton inspiraram o Princípio da Incerteza, de Werner Heisenberg. Este princípio traz uma nova visão do conhecimento, assegurando que este é limitado e aproximado, e que os resultados que dele obtemos são meramente probabilísticos, relativos e parcelares. Esta nova caracterização do conhecimento deve-se ao facto de Heisenberg ter demonstrado que, ao observar e analisar um objecto, o sujeito confunde-se com ele, invade-o, influenciando assim o seu conceito («não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele») . Ao provar que, mesmo quando estudamos um objecto em laboratório, este é manipulado ou alterado pela intervenção do sujeito, o método “extremista” da Ciência Moderna (que consistia em isolar-se da realidade num laboratório para obter um estudo fiável dessa mesma realidade) foi, de certo modo, posto de lado. As leis da Física foram, também elas, consideradas probabilísticas, e conclui-se que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que foi dividido para análise, inviabilizando a hipótese mecanicista.
Outro contributo para a crise da Ciência Moderna foi Kurt Gödel, que, através das suas investigações (baseadas na demonstração de que era possível formular proposições individuais que não se podem demonstrar nem refutar usando a Matemática) provou que a Matemática carece de fundamento. Ao questionar o rigor da Matemática, o principal alicerce da Ciência Moderna (que consistia em considerar verdadeiro apenas o quantificável e cujo conhecimento se baseava em cálculos e no rigor de medições), desmoronou-se.
Por fim, descobriu que, em sistemas abertos, a evolução não é previsível, pois explica-se por variações de energia que desencadeiam reacções que, ao tornarem o sistema instável, o conduzem a um novo estado macroscópico (esta transformação é irreversível). Surgiu então um tempo de reflexão sobre a Ciência Moderna. Assim, esta descoberta, para além de inviabilizar o preconceito da Ciência Moderna que assegura a regularidade cíclica e previsível das alterações do Universo, levou a uma nova concepção da matéria e da Natureza.
O fim da Ciência Moderna foi então acelerado e marcado pela 2ª Guerra Mundial. As consequências desta guerra, que não tinham sido previstas, levaram a comunidade científica da altura a questionar-se sobre o quão ético e correcto fora o lançamento das bombas nucleares no Japão. Essas consequências vieram provar que, para além de não serem verdadeiros os pressupostos da Ciência Moderna, a ausência de valores humanos nesses pressupostos tinha levado às consequências nefastas que se verificaram.
Em resposta a esta crise, surge um novo movimento científico, que se destaca pela sua oposição total às bases que sustentam a Ciência Moderna. Passou a entender-se que as leis, para além de serem uma simplificação da realidade, têm um carácter meramente probabilístico e provisório. Considerou-se que o modelo matemático da Ciência Moderna, isto é, a ideia de que a Matemática pode abranger tudo, e de que tudo é quantificável, constitui apenas uma limitação para o nosso conhecimento e para a nossa apreensão da realidade. Isto deve-se ao facto dos objectos não se reduzirem apenas aos seus aspectos quantificáveis, e de a sua quantificação não ter em conta as relações complexas estabelecidas entre o objecto e o resto do mundo. Assim, passam-se a utilizar vários métodos para estudar a realidade, dependendo daquilo que queremos demonstrar. Também, já não se considera a separação entre sujeito e objecto: entende-se agora que o objecto é uma continuação do sujeito. A incerteza já não é considerada como uma limitação técnica, mas é um elemento fundamental para se entender o mundo que estudamos – a ciência é agora um esforço de eliminação de erros. Considera-se então que não existem ciências exactas, nem verdades absolutas. O senso comum também foi aceite por esta nova comunidade científica, tendo em conta que é visto como “sabedoria da vida”, logo, constitui conhecimento que se pode revelar útil no entendimento de certos aspectos do mundo. Assim, a ciência também ela, tem como objectivo transformar-se em sabedoria da vida. Menos arrogante, esta nova forma de encarar o conhecimento e a ciência designa-se por Ciência Pós-Moderna, ou Nova Ciência.
Mas, e sendo considerado como recente o surgimento desta Nova Ciência, esta ainda não está completamente definida. Para que o seu conceito seja estabelecido e aplicado internacionalmente, é necessário que haja um consenso em toda a comunidade científica. Só desta forma poderá ser criado um novo paradigma – conjunto de métodos e critérios que regem a actividade científica. Até que seja definido o paradigma para a Nova Ciência, pode dizer-se que, actualmente, o mundo científico está em crise. Naturalmente, esta crise não impede o progresso científico e tecnológico, bem pelo contrário. Vivemos numa época extremamente criativa e produtiva a estes níveis, em parte devido à ausência de paradigma, que proporciona uma maior liberdade. No entanto, esta liberdade não implica que qualquer teoria seja considerada válida! Assim, os cientistas têm que ver a sua tese aceite por toda a comunidade científica para que esta possa ser vista como uma teoria válida. Para fazer aceitar a sua teoria, o cientista já não se limita a fazer uma demonstração: o elemento argumentativo é fundamental. Verifica-se uma maior exigência e rigor na obtenção do conhecimento científico e das teorias consideradas válidas, levando a que se façam menos descobertas realmente significantes, mas que estas sejam mais fiáveis.
O avanço da tecnologia leva a que a verdade, na Nova Ciência, seja vista como efémera. É aceite apenas enquanto os seus argumentos são válidos, e antes que seja substituída por outra teoria (com melhores argumentos, e menos erros). Esta verdade resulta de uma relação dialogante entre a realidade e as competências do homem (lógica, memória, reflexão crítica, etc.).
Desta forma, ao serem agora toleradas as interferências dos valores humanos, e ao aceitar-se a efemeridade da verdade, iremos obter um conceito mais abrangente, viável, e realístico do conhecimento.

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